quarta-feira, 14 de março de 2012

A voz

Começou como todas as coisas começam. Começou como o mundo começou.
Som. O poder da palavra tomando controle. Mas, além da palavra, o que começou foi a voz.
Apoderou-se de mim por inteiro, essa voz sem dona boca. Não precisava de imagem, não cheguei a sentir seu cheiro, seu sabor. Somente ouvidos. E depois que disparou a falar, vi que era voz bonita, perfumada, voz gostosa que escorre pela língua e enche a boca muda d'água. Foi amor à primeira voz.
Não posso mentir dessa vez. Nem para mim, nem para vocês. Às vezes digo a todos que me apaixonei, só para sair da mesmice. Às vezes, o digo para mim mesma, só para não ter que ficar com todos. E agora, admito: minto. Minto muito sobre isso porque, esse assunto, não gosto de dividir. Mas dessa vez não consigo. Me apaixonei por ti, voz.
Acho que pela primeira vez me apaixonei de verdade. Não estou me contendo dentro desta garrafa. É preciso consumir, escutar, obter. Quero possuir a voz que escuto, que sinto, que como. Só de ouvir me sinto pronta, graças a ela sou mulher feita.
Seu tom rouco e pontual, desleixado e destoante. Se um dia, qualquer dia, eu puder colocar a voz dentro da garrafa, ela quebra. A garrafa. Porque a voz tem uma imensidão tão grande que ocupa todos os espaços. Talvez a voz que me possua, e por isso que não consigo possuí-la.
A voz é buraco negro. Puxa toda a luz do redor para si. Não que precise disso tudo - ela não precisa de nada, é auto-suficiente. Mas acaba se tornando o centro das atenções, mesmo sem querer. É que, sem a voz, nós ficamos quebrados, e acabamos por querê-la inconscientemente, como ansiamos pelo oxigênio segundos antes de alcançar a superfície.
Antes dela, eu achava que funcionava bem. Que era completa e boa na medida do possível. Mas aí ela veio, avalanche, e me mostrou que eu era capaz de muito mais.
Perdoem-me pela tempestade, porém quando me apaixono, fico assim. Precisando de distruibuir por aí, pra mim já tem demais. Chover.
A voz é guarda-chuva, guarda-sol e balde. Não faz parte de mim, mas me criou.
É Criador. A voz é Deus.
Buscando os termos técnicos, essa é a locução que eu procurava. Poderia, até mesmo, tentar imitá-la. Entretanto, seria heresia. A voz tem, sim, suas características de estudo, mas guarda sua maior parte no lado transcendental. Ela sobe aos céus e deve ser entendida pela alma. Ao tentar entende-la pela razão, comete-se o maior crime: onde estava com a cabeça ao racionalizar o divino? É burrice e não adianta de nada, pois você não vai entender. Esqueça. A voz é sentir.
Fecho os olhos. Provo, novamente, os poderes do som. Vem sobre mim a boca mexendo. As pausas. A respiração. Consigo pintá-la lendo. Quero me transformar em voz para ser alguém melhor.
Quando a voz para, sou vazia. E sei que não posso ser cheia o tempo todo. Nem mesmo eu aguentaria a sobrecarga. Mas são nesses momentos em que eu quebro a embalagem que sei que estou a caminho de um lugar melhor

Nenhum comentário:

Postar um comentário