sábado, 27 de abril de 2013

Manual de primeira viagem para o marinheiro portador de náuseas

Sentimento a gente guarda e explode. E por mais que berre, por mais que chore, por mais que ignore, sentimento sobra lá, guarda migalhas no coração. Vai juntando, pedacinho com pedacinho, daquilo que sobrou de ontem, daquilo que sobrou do almoço, e daqui a pouco vira mais, coisa grande que a gente não suporta, faz peso para baixo, puxa. Âncoração.
(Quando isso acontecer, feche os olhos, sacuda a cabeça e os braços, bata com os pés no chão. Dance. Gire sem sentido, deixe que o peso vire pena e flutue, e deslize, e rebole, e gire, gire, gire.)
Você surgiu e eu girava. Eu, vestida de universo, transmutada em peão naquele espaço, mãos jogadas para o alto, em busca de alívio, por favor, alívio! Qual a direção do vento para eu mudar a rota do passo?
No mar, os dias nascem infinitos - e, a partir do momento em que é possível distinguir a água do céu, você deve se retirar para o bote e ir para a casa. Não há mais nada ali. Havendo a dúvida, porém, cabe a você decidir as cores das bandeiras a serem hasteadas para saudar o sol.

Inacabou.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Eu não quero

flores de plástico sobre a mesa da sala.

Não quero maçãs (nem das verdes, nem das vermelhas). Um abraço apertado. Um passeio longo de carro.

Não quero lágrimas (sejam de crocodilo, sejam de coração). Uma despedida forçada. Uma enrolação bem enrolada.

Um dia de sol na praia.
Um dia só em casa.
Um dia de roupa lavada.

Não quero apartamento, desenvolvimento, investimento, crescimento. Nem cimento.
(só lamento:

Eu quero pra hoje - pra agora -
paz
e um segundo de entendeção.)

sexta-feira, 8 de março de 2013

Metamorfose


Virei tempestade.
Virei buraco em tronco de árvore.
Virei tijolo afundando no poço.
Virei pernas de gelatina.
Virei frio na espinha.
Virei sorriso ocasional.
Virei espera por demora.
Virei saudades do nãosei.
Virei abraço no invisível.
Virei olhar bobo perdido.
Virei únicoassuntonamesadobar.
Virei únicosobrequemquerofalar.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Segunda-feira

O céu está lindo, eu disse.
E em direção ao céu eu segui.
Enxergava pouco, nuvens puxando pr'um marromvermelhocaramelo, e a sombra de um cajueiro, negro, negro, negro.

Nessa hora, percebi que precisava ir. Ir, não sei em que direção, qualquer uma, alguma, a primeira que aparecer. Pego o primeiro trem que passar. E aí vou.
Vou. E vou sem medo algum, largo tudo para trás, tudo, largo bolsa, travesseiro, escova de dentes.
Largo mão, braço, cotovelo.
João, Maria, e o Paulo Henrique dos Reis. Também largo.
Vou sem passagem e provisões, sem futuro, só o furo na sola do sapato, planejamento, não, seguindo o rumo das estrelas, das camélias, e das marcas de pneu do seu carro sem ar condicionado.
Vou de corpo e levo a alma. Vou agora, de supetão, tiro no escuro, pulo no abismo. Pé no estribo.
Vem comigo?

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Temporal

Surgiu assim
-PLIM!-
que nem uma gota safada,
maldita, solitária,
escapulindo (indo, vindo) do céu.

Cai discreta,
molha a terra,
e vira tempestade
(que mais que molha: arde!)

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Cinturão

Língua
no
(sorri) dente
espaço
entre
seu lábio
e o mundo
INTEIRO
que você decidiu engolir