sexta-feira, 20 de abril de 2012

Fluoxetina

Viver é muito bom. Amar é muito bom. Comer é muito bom. Correr é muito bom.
Sorrir é muito bom. Querer é muito bom. Crescer é muito bom. Beijar é muito bom.
Piscar é muito bom. Viajar é muito bom. Voltar é muito bom. Sentir é muito bom.
Tocar é muito bom. Ouvir é muito bom. Falar é muito bom. Ver é muito bom.
Gritar é muito bom. Dormir é muito bom. Abraçar é muito bom. Ser é muito bom.
Desejar é muito bom. Chorar é muito bom. Respirar é muito bom. Fotografar é muito bom.
Atuar é muito bom. Conversar é muito bom. Lembrar é muito bom. Esquecer é muito bom.
Beber é muito bom. Voar é muito bom. Sumir é muito bom. Cair é muito bom.
Conhecer é muito bom.
Assistir é muito bom.
Escrever é muito bom.
Ajudar é muito bom.
Plantar, colher, construir, fazer, arar, soprar, cozinhar, jogar, debater.
Dividir, multiplicar, ler, ordenhar, acordar, nadar, pular. Defenestrar.
Abrir.
Fechar.
É bom demais.
Chover e ventar. Partir e quebrar.
Revelar.
Passear, confiar, compreender, se aquecer.
Esfriar.
Aplaudir.
Levantar.
Assistir.
Sonhar.
É bom demais.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Como eu não entendo o pesar

O céu fervilha em vermelho.
Acordei agora com uma má notícia e não consigo mais pregar os olhos. Minhas pernas não conseguiam se deitar, como loucas, queriam só correr. Prendi-as. Sentei-me. Parei para digerir.
Está sendo difícil para mim de engolir.
Não aprendi a lidar com perdas. Tenho vontade de levantar-me para gritar:
"Mas isso é injusto! Não pode, não deve ser assim. Tão cedo... tão rápido! E por um erro? Não pode, não pode..."
Dessa vez eu descobri. Não adianta gritar. Algumas coisas vem como ponto final. Elas não somem, apenas viram cicatrizes.
Aos 14 anos, meu pai se tatuou. Uma tatuagem horrorosa. Duas, na realidade, um escorpião e uma boca. Ele pode tirar a tatuagem. Mas ainda haverá uma marca em sua pele, de quando ele era jovem e desimpedido, e se marcou porque quis.
A tatuagem não é um ponto final, mas ilustra a ideia.
Minhas pernas estão um pouco mais relaxadas e o céu enegreceu.
Pontos finais trazem consigo lágrimas e saudades. Desamparo. Que são combatidos com abraços, acalantos e sorrisos, mas, principalmente, com palavras.
Outro ponto fraco meu: além de não lidar com perdas, não sou boa com palavras.
Mas entre meus braços você encontrará todo o carinho do mundo! Pode parecer cliché, mas te dou o meu silêncio como forma remédio. Ele é compreensível e confortável, escuta o debulhar do espaço e oferece atenção.
A má notícia me acordou e destruiu qualquer resquício de possibilidade de ninar.
Só consigo pensar em como confortar os mais feridos. Como? Se nem mesmo consigo confortar a mim, que só tem problemas com as pernas.
Não dou credibilidade às más notícias. Não consigo me convencer de sua existência.
Sei que vou levar tapas na cara.
Prefiro leva-los em minha ignorância ao abraçar no silêncio aqueles que creem e sofrem comigo.

Querido amigo, saiba que sempre estarei ao seu lado. O amor é imortal, assim como o passado. Guarde o que é bom e seja o melhor.

domingo, 8 de abril de 2012

Famintas Estrelas

Estrelas gostam de comer o brilho das lâmpadas.
Degustam das mais variadas intensidades, enchem-se de todo o clarão. Ficam satisfeitas e dormem.
O fulgor tem um gosto peculiar. Mistura-se com a canela e o açafrão fresco, mas nunca deixa de lado seu sabor azul. É de extrema delicadeza. Para apreciá-lo, é preciso alcançar um estado de espírito sublime. Por isso, as estrelas se fartam. Paladar singelo este que, nas horas escuras, clareia. Exato, preciso e meticuloso.
No vazio do universo, no espaço entre as lacunas, as estrelas jaziam. Esfomeadas, precisavam de mais brilho. Redondas, balofas, insaciáveis. E, assim, as estrelas cresciam.
Cresciam pois, inconscientemente, eram alimentadas pelo seu egoísmo. Estrelas desavisadas eram apagadas, desprovidas de seu clarão característico.
Não importava mais a cor ou a temperatura. Vermelhas, azuis, quentes, amarelas, mornas, verdes, frias e congeladas. Extintas.
O Céu começou a minguar. Entrava em um estado de abatimento constante. Sentia-se humilhado, nu. E em todo seu breu, não havia um único clarão para tirá-lo da vala em que se atirava. O Céu precisava de ajuda. O Céu precisava de estrelas.
Foi então que veio o Sol. Não era dos mais gordos, rechonchudo, entretanto, mas gostava de mimar o palato. O Sol era conhecido pela sua inconstância. Mas era porque não reconheciam sua sensibilidade.
Ele entendia a melancolia do Céu, apesar de não conter seu apetite. Mas o Sol brilhava pouco comparado a outras estrelas para acabar com tamanha depressão.
Dentre as estrelas, havia também seres turvos, seres escuros. Havia a Lua.
Lua que não reconhecia a sensibilidade do Sol. Que ignorava a tristeza do Céu. Que zombava da fome das estrelas. A Lua não sabia de nada. Mas tinha um tremendo sorriso, que brilhava mais do que qualquer coisa já vista por olhos impressionáveis.
Desprovido de todas suas defesas falsas, o Sol se apaixonou pela Lua. E por isso, abateu-se mais que o Céu. É que, a Lua não sabia, mas sempre que ela nascia, o Sol tinha que se pôr. Seus horários não batiam e viviam numa série de desencontros que partiam o coração iluminado do Sol.
Entre eles, havia a Terra.
(nesse universo melancólico, acaba que o instante oco vira vácuo e tudo engole. Bem vindo ao espaço misantrópico.)
Pois que a Terra também chorava. Na melhor das hipóteses, era só dor de barriga. Mas o Sol sabia que era mais do que isso, que era a sombra que a encobria. A Terra estava sem lâmpadas, e, assim, encolhia.
Em um dia mais negro que os outros, em um instante mais frívolo que os anteriores, o Sol abriu a boca. E em um jato ininterruptível, vomitou sua luz na Terra.
Parece asqueroso e sujo. Mas a Terra sorriu.
E a Terra brilhava tanto que chegou a cegar os tais olhos impressionáveis. E o brilho foi tanto que a Lua, num súbito ato desesperado, jogou-se na frente do Sol para diminuir a intensidade da luz.
Nesse instante, agora cheio e iluminado, eles se amaram. E as estrelas, comovidas, vomitaram suas luzes por aí, deixando o céu em um êxtase supremo.